Ryszard Kapuscinski


"Anos atrás, passei a noite de Natal no Parque Nacional de Mikumi, no interior da Tanzânia. Era uma tarde quente, clara e sem brisa. Em um descampado no meio do mato e debaixo de um céu desprovido de nuvens, foram postas algumas mesas e, sobre elas, peixes assados, arroz, tomates e pombe, a cerveja local. Tudo iluminado por velas e lâmpadas de querosene. O ambiente era descontraído e, como é comum na África nessas ocasiões, com muitas piadas e risos. Estavam presentes vários ministros de Estado da Tanzânia, embaixadores, generais e chefes de clãs. A meia-noite já havia passado quando senti a impenetrável escuridão, que começava logo depois das mesas iluminadas, balançar e ribombar. O barulho e o tremor foram ficando cada vez mais fortes, até que, do negrume por trás de nós, irrompeu um elefante. Não sei se alguém já deu de cara com um elefante - não um elefante de zoológico ou de circo, mas um saído das selvas da África, onde ele é o formidável senhor do mundo. Quando o viram, as pessoas foram tomadas de pânico. Um elefante solitário e desgarrado do bando é um animal enfurecido e tresloucado; ataca vilarejos, esmaga choupanas e mata homens e gados.

O elefante é monstruoso. Contempla-nos com um olhar penetrante e está imóvel e quieto. Não sabemos o que vai pela sua enorme cabeça nem o que fará em seguida. Permanece parado por alguns momentos e depois, calmamente, começa a passear entre as mesas. O silêncio é sepulcral - todos estão paralisados de medo. Ninguém pode se mexer, pois qualquer movimento despertaria a sua fúria, e ele é um animal rápido; não há como fugir. Por outro lado, sentados, nos colocamos à sua mercê, nos expomos ao seu ataque, corremos o risco de ser esmagados pelas patas do gigante.

O elefante continua o passeio, olha para as mesas postas e para as pessoas estáticas. Seus movimentos e o balançar da cabeça indicam que está hesitante, que não consegue decidir que atitude tomar. Isso dura uma eternidade. Em dado momento, intercepto seu olhar. Ele nos fitava com atenção e em seus olhos notei alguma tristeza.

Por fim, depois de algumas voltas em torno das mesas e da clareira, o elefante nos deu as costas e mergulhou na escuridão. Quando o solo parou de tremer e a escuridão voltou a se aquietar, um dos tanzanianos sentados perto de mim perguntou: "Você viu?". "Sim", respondi, ainda incapaz de me mover. "Um elefante". "Não", retrucou o tanzaniano. "O espírito da África sempre aparece na forma de um elefante porque um elefante não pode ser derrotado por nenhum outro animal. Nem pelo leão, nem pelo búfalo, nem pela serpente."

As pessoas se dispersaram em silêncio e os meninos apagaram as luzes sobre as mesas. Ainda era noite, mas já estava próximo o momento mais deslumbrante de toda a África - o amanhecer."

Ryszard Kapuscinski em "Ébano, Minha vida na África"

Minha homenagem a quem melhor descreveu o espírito africano em seus inúmeros livros e artigos que, como jornalista e escritor, escreveu sobre a África.

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