Silêncio

Todos os dias, ao voltar do mestrado, passo em uma praça que fica nas redondezas do edifício onde moro. É metade do caminho entre minha casa e o metrô. Passo lá a noite, por volta das 21:00, horário em que a família espanhola está reunida para o jantar, o que me deixa praticamente sozinho ao passar por ali.

A praça é bonita, com fontes e muito verde. Recém reformada com recursos da União Européia. Sendo assim, mesmo sendo o caminho mais longo, passo nela todos os dias.

Mas ontem não estava sozinho.

Como todos sabem, na sexta feira passada (07/03), o grupo terrorista basco ETA assassinou um ex-vereador da cidade de Mondragón com três tiros na nuca. Ato covarde, próprio de grupos radicais débeis, que já não conseguem se articular em rede e tentam, a todo custo, ditar a agenda política do país.

Feito isso, a campanha foi cancelada, os últimos comícios suspensos, a população estarrecida. E indignada. Foram todos às urnas no Domingo e ganhou Zapatero, ou seja, não mudou em nada o que as pesquisas já ditavam.

Mas ontem algo mudou, pelo menos em minha estada aqui.

Ao passar pela praça, vi um grupo de umas 30 pessoas, idosos, perfiladas em 4 filas de 8 pessoas, em silêncio, voltados para o coreto. Ninguém os assistia, ventava muito e, como já era tarde, todos já estavam em casa. Mas mesmo assim, esse grupo de pessoas não arredou o pé.

Vi que seguravam uma faixa, branca, grande, na fila da frente. Dei meia volta no grupo para poder ler a faixa, que trazia, em letras garrafais:

GESTO POR LA PAZ!

Confesso que me emocionei, vendo aqueles senhores e senhoras numa segunda-feira fria, em plena praça, em silêncio, perfilados, por uma causa tão nobre, num país onde a disputa nacionalista cega as pessoas e as fazem dispender uma quantidade enorme de energia. Confesso que aquela cena, na calada da noite, vai ficar em minha cabeça para sempre. O silêncio, o gesto, as palavras na faixa, dizendo tudo, pedindo o mínimo, em pleno século XXI.

Estava sem minha câmera, mas faço dessa descrição um instrumento para que todos imaginem a cena que quiserem.

Para determinadas coisas, não necessitamos de registros visuais.

Coisas boas de Madrid

Uma das melhores coisas de Madrid é, sem dúvida, o sistema de transporte.

E, de todos os meios, o mais impressionante é o metrô, que foi fundado em 1919, pelo rei Alfonso XII e, na década de 1930, com a Guerra Civil Espanhola, suas estações foram transformadas em abrigos aéreos. Na década de 70 recebeu massivos investimentos por causa do aumento vertiginoso da população urbana e ainda mais depois da entrada do país na União Européia, quando começou a receber recursos advindos dos fundos europeus para a infra-estrutura. É interessante andar pelas estações, várias delas novas, e perceber o tanto que esse país desenvolveu nos últimos anos.

O metrô possui 12 linhas (o de São Paulo, cidade 6 vezes maior possui 5) e além delas existe um sistema de ônibus respeitável, que não enche as ruas, um sistema de metrô de superfície nos bairros novos e os trens suburbanos, chamados de Cercanías, que é uma espécie de metrô mais veloz e com menos estações.

Além disso, o preço é muito bom. Paga-se o mesmo preço do de São Paulo, ou seja, 1 euro. E, além disso existem passes para todos os gostos, reduzindo o custo em mais de 40% e integrando todos os meios.

Assim, pode-se ir do centro ao aeroporto em 20 minutos. E olha que o aeroporto fica em Barajas, uma cidadezinha nas redondezas de Madrid.

Uma cidade que tem um bom sistema de transporte tem cidadãos mais felizes e posso dizer que aprendi isso em Madrid.

Ainda não está seguro se locomover com bicicletas...mas mudar isso já está nos planos do poder público.

Abaixo, o novo comercial do Metro de Madrid.

Nada é definitivo

Reproduzo, abaixo, artigo de Rubens Ricupero acerca da qualidade das intituiçoes espanholas e o que isso representa para nós, brasileiros, desencantados com a fraqueza e a perene falta de efetividade da maioria de nossas instituiçoes. Para quem acredita no "a América Latina nunca vai pra frente por causa da herança ibérica", uma crítica sutil.

Abs

Fred

RUBENS RICUPERO

Nada é definitivo


Cresce a sensação de que a nova Espanha deverá provar que as instituições têm solidez para resistir aos ventos contrários

A ESPANHA do último quarto de século tem sido a grande esperança dos latino-americanos desanimados com seu persistente fracasso institucional desde a independência. Durante muito tempo, atribuía-se ao fatalismo do modelo herdado de espanhóis (e lusos) a incapacidade de construir instituições capazes de garantir estabilidade política com progresso econômico e igualitarismo social nos países ibéricos.
Muitos dos pensadores e políticos latino-americanos iam buscar no patrimonialismo, na falta de liberdades locais e tradição democrática da península a raiz dos nossos próprios vícios. Esses adquiriam, assim, o caráter de doença hereditária e incurável, como quase todas as deformações carregadas pelo DNA.
A prolongada decadência em que mergulharam as ex-metrópoles era a confirmação viva de que uma espécie de enfermidade degenerativa acometia os dois únicos países da Europa ocidental que haviam "derrotado" a Reforma religiosa e a Revolução Francesa, aferrando-se à Inquisição até bem entrado o século 19. As ditaduras de Salazar e Franco, a sanguinária Guerra Civil Espanhola, o espírito retrógrado perceptível na atmosfera de Lisboa e Madri até o início dos anos 1960 só reforçavam a impressão de irremediável declínio.
O êxito da transição democrática e européia de Portugal e Espanha, sobretudo dessa última, e a sabedoria do compromisso histórico que permitiu o Pacto de Moncloa no plano político e o milagre econômico espanhol vieram demonstrar que, até no berço da hispanidade, era possível romper a seqüência de catástrofes institucionais e edificar democracia moderna e dinâmica.
O progresso foi realmente tão rápido que, após dez anos de crescimento a 3,7% anuais, a Espanha ultrapassou a Itália em riqueza per capita, ocupando o sexto lugar da União Européia. Um dos "slogans" eleitorais do primeiro-ministro Zapatero era a promessa de arrebatar da França a quinta posição. De repente, contudo, a situação começa a dar sinais de esgotamento. Como nos Estados Unidos, confiou-se demais na bolha imobiliária, que vinha sustentando a expansão, graças à melhoria do nível de vida e aos imigrantes (700 mil por ano, desde 2000). O estouro da bolha passou a frear o crescimento e o consumo, apesar de inflação que se mantém em nível superior ao do resto da Europa.
O velho fantasma do confronto entre direita e esquerda volta a reaparecer, do mesmo modo que as divisões com a Igreja em matéria de moral e família. O país tem dificuldade em lidar com o passado e a Guerra Civil, com a anistia e as vítimas. Não conseguiu aprovar nem uma letra inócua para o Hino Nacional, que continua mudo. O fiasco das negociações com o terrorismo basco deixou o governo em posição de fraqueza diante de uma direita truculenta.
Na hora do triunfalismo, esquecia-se que, nos anos 1990, a ajuda européia chegou a representar 1,7% do PIB (Produto Interno Bruto) da Espanha, o que, além das instituições, ajuda a explicar o milagre. Até 2013, ela terá ainda a receber 31 bilhões, mas isso agora é apenas 0,4% da economia. Na véspera da eleição do dia 9, cresce a sensação de que a nova Espanha deverá provar no teste da adversidade que suas instituições possuem, de fato, solidez para resistir aos ventos contrários.


RUBENS RICUPERO , 70, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, no caderno Dinheiro, da Folha de SP.