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Luxo conceitual


Um Rolex parece gritar "novo rico!", pois diz que o dono veio de um grupo de baixa renda e tem algo a provar

VIRGINIA POSTREL

Cerca de sete anos atrás, Kerwin Kofi Charles e Erik Hurst, economistas da Universidade de Chicago, estavam pesquisando a "disparidade de patrimônio" entre os norte-americanos negros e brancos quando perceberam algo de notável.
Os negros dos EUA não só tinham menos patrimônio do que os brancos em faixa de renda semelhante como também uma proporção muito mais elevada de seus ativos era representada por automóveis.
O dado estatístico serviu para confirmar um estereótipo exposto em incontáveis vídeos de hip hop estrelados por cantores negros repletos de jóias: o de que os norte-americanos negros gastam muito em carros, roupas e jóias -bens altamente visíveis que informam ao mundo que seu proprietário tem dinheiro.
Mas será que o fazem, de fato? E, se esse é o caso, por que agem assim?

Riqueza de pobre
Os dois economistas, com Nikolai Roussanov (da Universidade da Pensilvânia), decidiram tratar desse tema, agora. O que eles descobriram não só oferece percepções quanto às diferenças econômicas entre grupos raciais como contesta as percepções mais comuns quanto ao luxo.
O consumo ostensivo, sugere a pesquisa que eles conduziram, não representa um sinal claro de afluência pessoal. Na verdade, representa um sinal de que a pessoa pertence a um grupo relativamente pobre.
O luxo visível serve, assim, menos para estabelecer o status positivo do proprietário como pessoa próspera do que para refutar a percepção negativa de que ele é pobre. Quanto mais rica uma sociedade ou um grupo social, menos importantes se tornam os gastos visíveis.
No que tange à etnia, a sabedoria popular se prova verdadeira. Uma família negra norte-americana com a mesma renda, o mesmo número de membros e outros indicadores demográficos semelhantes aos de uma família branca gastará 25% mais de sua renda em jóias, carros, cuidados pessoais e roupas.
Para a família negra média, cuja renda é de US$ 40 mil ao ano, isso representa US$ 1.900 a mais por ano do que para uma família branca comparável. Para compensar a diferença, os negros gastam menos em educação, saúde, entretenimento e com o equipamento e mobília de suas casas (o mesmo se aplica aos latinos).
É claro que grupos étnicos diferentes podem simplesmente ter gostos diferentes.
Talvez os negros simplesmente gostem mais de jóias que os brancos. Talvez adquiram roupas mais caras para evitar insultos racistas da parte de vendedores. Talvez simplesmente não estejam tão interessados em universidades de elite ou em TVs de tela grande. E talvez nada disso proceda.
Os economistas odeiam tautologias sobre diferenças de gosto não passíveis de prova concreta. Querem histórias que possam ser aplicadas a todos.

Certo e errado
Por isso, os pesquisadores recuaram ao trabalho do sociólogo e economista Thorstein Veblen, que cunhou o termo "consumo conspícuo".
Escrevendo em 1899, em um mundo muito mais pobre, Veblen argumentava que as pessoas gastavam de maneira desmedida em bens visíveis de modo a provar que eram prósperas. "O motivo é a emulação -o estímulo de uma comparação baseada na inveja, que nos leva a tentar superar aquilo que fazem as pessoas junto das quais temos o hábito de nos classificar", escreveu.
Seguindo essa linha de raciocínio, os economistas adotaram a hipótese de que o consumo visível permite que as pessoas demonstrem a desconhecidos que elas não são pobres.
Já que os desconhecidos tendem a categorizar as pessoas em termos de etnia, quanto mais baixa a renda de seu grupo social, mais valioso será demonstrar o poder aquisitivo.
Para testar essa idéia, compararam padrões de consumo de pessoas da mesma etnia em Estados diferentes -digamos, negros do Arkansas a negros de Massachusetts ou brancos da Carolina do Sul a brancos da Califórnia.
E, como esperavam, se nenhum outro fator variar (incluindo a renda da pessoa em questão), um indivíduo tende a gastar parte maior de sua renda pessoal em bens visíveis quando a renda média de seu grupo étnico é mais baixa.
Os negros dos EUA não têm necessariamente gostos diferentes dos brancos. São apenas mais pobres, em média. Nos lugares em que os negros têm mais dinheiro, os indivíduos negros se sentem menos pressionados a exibir o patrimônio.
O mesmo se aplica aos brancos. Compensadas as diferenças quanto ao custo de habitação, um aumento de US$ 10 mil na renda média dos domicílios brancos (montante que separa a renda média dos brancos da Carolina do Sul e da Califórnia) resulta em 13% de decréscimo no consumo de bens visíveis.
"Se tomarmos como exemplo uma pessoa que ganha US$ 100 mil por ano no Alabama [Estado menos rico] e uma que ganha US$ 100 mil por ano em Massachusetts" [Estado mais rico], disse Hurst, "a pessoa com renda de US$ 100 mil no Alabama se dedica mais ao consumo conspícuo do que a pessoa de Massachusetts".
É por isso que um relógio Rolex de ouro com diamantes incrustados parece gritar "novo rico!". O objeto sinaliza que o proprietário veio de um grupo de baixa renda e tem algo a provar. Assim, a pesquisa tem implicações que vão além da etnia.
Deve ser aplicável a qualquer grupo social definido de acordo com a visão de pessoas que estejam de fora. E sugere por que economias emergentes como Rússia e China, apesar de suas rendas médias ainda baixas, são hoje mercados tão quentes para os produtos de luxo.
As pessoas que são ricas em lugares pobres desejam exibir sua riqueza. E as pessoas menos afluentes que vivem nas mesmas regiões se sentem forçadas a forjar uma aparência de riqueza, ao menos em público.
Ninguém deseja o estigma de ser visto como pobre. Veblen estava certo.
Mas ele também estava errado. Ou pelo menos sua teoria está desatualizada. Dado o fato de que, quanto mais rico o grupo, menos vistosos os gastos que seus componentes terão, o consumo conspícuo não é um fenômeno universal. É uma fase de desenvolvimento.
A tendência declina à medida que países, regiões ou grupos específicos enriquecem. "As jóias chamativas dominam nas economias emergentes, ainda ávidas por percorrer a estrada do status via consumo de produtos", apontou recentemente o grupo de pesquisa de mercado Euromonitor.
Em determinado momento, o luxo se torna menos uma ferramenta de competição por status público e mais uma forma de obter prazer privado.
Considere-se a observação de David Brooks, em "Bubos no Paraíso" [ed. Rocco], de que, para as atuais elites de alto nível educacional, gastar US$ 25 mil reformando o banheiro é considerado elogiável, mas gastar US$ 15 mil em um sistema de som e TV de tela larga é considerado vulgar.

Visibilidade íntima
Gastar US$ 10 mil em uma banheira com hidromassagem para o quintal é considerado decadente, mas não gastar o dobro disso para criar um box de luxo no banheiro -é visto como sinal de que a pessoa ainda não aprendeu a apreciar os ritmos simples da vida.
Virtuosos ou vulgares, todos esses itens têm em comum o fato de que não são visíveis aos desconhecidos. Apenas amigos e familiares podem vê-los. Qualquer status que confiram só se aplica no seio do pequeno grupo de pessoas que você convida a visitá-lo em sua casa.
Russ Alan Prince e Alan Schiff descrevem padrão semelhante em "The Middle-Class Millionaire" [O Milionário de Classe Média], que analisa os hábitos de consumo dos 8,4 milhões de domicílios norte-americanos que construíram sua riqueza sem a ajuda de heranças, abrigando famílias cujo patrimônio total, incluído o valor dos imóveis, fica entre US$ 1 milhão e US$ 10 milhões.
Além da inclinação por carros exóticos, esses milionários dedicam os dólares que destinam ao luxo principalmente a serviços que pessoas de fora não podem ver: atendimento de saúde de alto padrão, reformas de casas, toda forma de instrução pessoal e férias familiares caras.
O foco é menos impressionar os desconhecidos e mais aperfeiçoar suas vidas e as de seus familiares.
O abandono do consumo conspícuo -a troca de produtos por serviços e experiências- também pode tornar o luxo mais exclusivo. Qualquer pessoa com US$ 6.000 pode comprar uma bolsa Bottega Veneta ou um relógio Cartier.
Mas, pela mesma soma, a pessoa pode se inscrever para quatro dias de palestras, na Califórnia, ministradas por inovadores famosos (como Frank Gehry, Amy Tan e Brian Greene) ou menos conhecidos. Quanto aos produtos, exibicionismo está fora de moda.
"Se você quer viver como um bilionário, compre uma cama de US$ 12 mil", diz um amigo meu que é planejador financeiro. Não se pode estacionar a cama na entrada da casa, mas ela irá durar décadas, e o proprietário poderá desfrutar de seu conforto todas as noites.


VIRGINIA POSTREL é editora da "Atlantic Monthly", onde saiu a íntegra deste texto. Tradução de Paulo Migliacci .

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