Da Época - SP

FAUSTO SPÓSITO - 17/07/2009

Literatura em até 140 caracteres no Metrô de São Paulo

Para dar uso “decente” ao Twitter, estudantes divulgam microcontos em adesivos nos vagões da cidade

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"Sabia que em menos de quatro estações estaria perdido. Decidiu descer antes da hora."

“Entrou, se sentou. Ele não suportava o calor. Mas, com vagar, tentou se erguer pra sair outra vez.” Ao se depararem com a passagem que reflete sua própria condição, usuários do metrô de São Paulo reagem com certa perplexidade. O retrato literário colado na parede do vagão provoca risos, desprezo e, em alguns casos, reflexão. Assim, o trecho atinge também o objetivo proposto pelo coletivo Sem Ruído, que há cerca de dois meses espalha microcontos em trens e estações do sistema de transporte público da cidade.

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"Ao final da escada percebeu que seu rastro já não era o mesmo."

Segundo os responsáveis pela iniciativa, o Sem Ruído surgiu para dar “um uso decente” ao Twitter (site onde os usuários enviam e leem atualizações pessoais de outros contatos em textos de até 140 caracteres). Com a boa repercussão na internet, os integrantes do coletivo resolveram levar os microcontos ao metrô de São Paulo, em um exercício inspirado na tradicional forma do haikai japonês e na cultura contemporânea da sticker art.

Para Ian Leite, um dos idealizadores do Sem Ruído, os adesivos levam um pouco de arte aos usuários do metrô. Ele compara a intervenção a um “fast food” de literatura. “São histórias abertas. Cada uma tem começo e fim, mas a interpretação é totalmente pessoal”, disse o estudante de 19 anos.

De acordo com Ian, os microcontos são colados em locais relacionados ao tema. Em uma das primeiras ações, o coletivo chegou a criar polêmica ao adesivar a placa que indica assentos para deficientes no vagão. “É difícil influenciar o funcionamento do metrô. Cultura vale muito mais”, explicou se referindo a forma automática como as pessoas agem nos trens. Para ele, os adesivos também servem de incentivo à leitura. “Uma vez, colamos um adesivo no teto. As pessoas que olhavam pra cima sorriam. Alguns chegaram a anotar nosso endereço no Twitter”, contou empolgado.

Sem se preocupar com as críticas, Ian afirmou que “o ambiente interfere na interpretação”. Ele, que lê autores como Tolkien e Gaiman, explicou que escolhe com cuidado os lugares onde colará cada microconto. Para provar, citou de cabeça o trecho que colou sobre o símbolo da cadeira de rodas no assento preferencial do metrô: "Acordou de um sonho nostálgico e a primeira coisa que lembrou foi que não podia mais andar".

Veja mais fotos das intervenções do coletivo no Flickr do Sem Ruído.

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"Acordou de um sonho nostálgico e a primeira coisa que lembrou foi que não podia mais andar."

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