Nada é definitivo

Reproduzo, abaixo, artigo de Rubens Ricupero acerca da qualidade das intituiçoes espanholas e o que isso representa para nós, brasileiros, desencantados com a fraqueza e a perene falta de efetividade da maioria de nossas instituiçoes. Para quem acredita no "a América Latina nunca vai pra frente por causa da herança ibérica", uma crítica sutil.

Abs

Fred

RUBENS RICUPERO

Nada é definitivo


Cresce a sensação de que a nova Espanha deverá provar que as instituições têm solidez para resistir aos ventos contrários

A ESPANHA do último quarto de século tem sido a grande esperança dos latino-americanos desanimados com seu persistente fracasso institucional desde a independência. Durante muito tempo, atribuía-se ao fatalismo do modelo herdado de espanhóis (e lusos) a incapacidade de construir instituições capazes de garantir estabilidade política com progresso econômico e igualitarismo social nos países ibéricos.
Muitos dos pensadores e políticos latino-americanos iam buscar no patrimonialismo, na falta de liberdades locais e tradição democrática da península a raiz dos nossos próprios vícios. Esses adquiriam, assim, o caráter de doença hereditária e incurável, como quase todas as deformações carregadas pelo DNA.
A prolongada decadência em que mergulharam as ex-metrópoles era a confirmação viva de que uma espécie de enfermidade degenerativa acometia os dois únicos países da Europa ocidental que haviam "derrotado" a Reforma religiosa e a Revolução Francesa, aferrando-se à Inquisição até bem entrado o século 19. As ditaduras de Salazar e Franco, a sanguinária Guerra Civil Espanhola, o espírito retrógrado perceptível na atmosfera de Lisboa e Madri até o início dos anos 1960 só reforçavam a impressão de irremediável declínio.
O êxito da transição democrática e européia de Portugal e Espanha, sobretudo dessa última, e a sabedoria do compromisso histórico que permitiu o Pacto de Moncloa no plano político e o milagre econômico espanhol vieram demonstrar que, até no berço da hispanidade, era possível romper a seqüência de catástrofes institucionais e edificar democracia moderna e dinâmica.
O progresso foi realmente tão rápido que, após dez anos de crescimento a 3,7% anuais, a Espanha ultrapassou a Itália em riqueza per capita, ocupando o sexto lugar da União Européia. Um dos "slogans" eleitorais do primeiro-ministro Zapatero era a promessa de arrebatar da França a quinta posição. De repente, contudo, a situação começa a dar sinais de esgotamento. Como nos Estados Unidos, confiou-se demais na bolha imobiliária, que vinha sustentando a expansão, graças à melhoria do nível de vida e aos imigrantes (700 mil por ano, desde 2000). O estouro da bolha passou a frear o crescimento e o consumo, apesar de inflação que se mantém em nível superior ao do resto da Europa.
O velho fantasma do confronto entre direita e esquerda volta a reaparecer, do mesmo modo que as divisões com a Igreja em matéria de moral e família. O país tem dificuldade em lidar com o passado e a Guerra Civil, com a anistia e as vítimas. Não conseguiu aprovar nem uma letra inócua para o Hino Nacional, que continua mudo. O fiasco das negociações com o terrorismo basco deixou o governo em posição de fraqueza diante de uma direita truculenta.
Na hora do triunfalismo, esquecia-se que, nos anos 1990, a ajuda européia chegou a representar 1,7% do PIB (Produto Interno Bruto) da Espanha, o que, além das instituições, ajuda a explicar o milagre. Até 2013, ela terá ainda a receber 31 bilhões, mas isso agora é apenas 0,4% da economia. Na véspera da eleição do dia 9, cresce a sensação de que a nova Espanha deverá provar no teste da adversidade que suas instituições possuem, de fato, solidez para resistir aos ventos contrários.


RUBENS RICUPERO , 70, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, no caderno Dinheiro, da Folha de SP.

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